CRÓNICA BREVE (II)
A paga do vinho
Contrariamente ao que possa pensar-se, namorar com forasteiro, antigamente, não dependia apenas da vontade da noiva, do pai ou da mãe. Dependia também do pagamento de uma espécie de tributo.
De quem?
- Do candidato a noivo, aos rapazes da terra.
Tributo esse não em dinheiro, mas em vinho, tinto.
Um garrafão, ou mais, dependia do perfil do intruso. Se pouco ou muito abonado, assim era provar ou fartar.
E a lógica era esta. As raparigas estavam destinadas aos rapazes da terra. Se algum de fora fosse roubar qualquer uma, teria de pagar pela ousadia.
Mal corresse suspeita, no balcão do Ti Zé Morais, de rabisco novo de rapaz de fora e se não tomasse ele próprio a iniciativa de se apresentar, devidamente sortido, prazo curto tinha ele para a intimação. Que não passasse do próximo sábado ou domingo! Não fosse deixar, entretanto, a rapariga e a rapaziada a penar de algum aguamento, mas do vinho.
E a recusa era legitimamente entendida (assim o dizia a prática) como sinal de que apenas queria era gozar a rapariga e isso era crime grave punível com saraivada de pedra vinda não se sabendo de onde.
Era assim na nossa Terra, como nas próximas. Mata, Martianas, Pedrógão, Bemposta, Proença, S. Miguel…
Lembram-se os mais velhos (que não lêem isto e por isso podemos falar à vontade) que um período houve em que não havia mãos a medir. Aquando do alcatroamento da estrada (a mesma que passava no, como se dizia, "arramal") veio uma chusma de rapaziada de fora, sobretudo do Alentejo trabalhar para as obras, que não deixou nova e velha, feia e bonita, por casar. Então o vinho era à farta!
Porque o néctar escorregava mal sem companhia, lá vinha também o conduto. Um queijo (quase sempre corno, assim se chamava, duro que era), uma morcela a dar já para o azeite da lamparina da Igreja e pão, muito pão.
Falava-se até que em certas terras, a par do vinho, até negar, o pão, empinado, deveria ter a altura do intruso noivo.
Safava-os que a rapaziada, antigamente, não tinha a altura de hoje.
Era comer e beber até chegar com o dedo. Cantavam uns, chamavam o gregório outros…Com rapariga a menos, mas todos se divertiam, menos a noiva, claro está, que via a vida a andar para trás.
E, cumprida a obrigação, e já munido com a carta de alforria, já o bom forasteiro podia namorar à vontade.
À vontade, como quem diz. Nem todos os dias (e horas) eram dias de namoro e só já em fase avançada podia o rapaz entrar em casa dos pais da noiva.
Habilidade deveria ter, também, para dar um pontapé no candeeiro sem que ninguém desse por ela…
Abraço
Fev. 09
F C
1 comentário:
Gostei muito!!!
É bom saber como eram as coisas antigamente.
O tinto é que era sempre bem despachado :D....
Abraço
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