quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ao Tivergil - De Francisco Caetano

CRÓNICA BREVE

Ao Tivergil

Era assim que, miúdos, nos mandavam à taberna, se o Ti Jaquim Caetano já estivesse bem aviado (o que, longe, era notado pelo toque, quase perfeito, de seus felpudos dedos e fortes anéis no tásquio balcão de madeira, a imitar a bateria do tão estridente quanto roufenho som do FM do seu Grundig de válvulas, ou a Ti Carmelita não acudisse, para, com garrafa na mão e 5 tostões na outra, comprar meio quartilho, às vezes meio litro, de vinho branco para tempero da carne, quase sempre de pêlo, que domingo-de-ramos ou outra festividade qualquer desafiar os dentes, dura que era, embora o saudoso Meia Noite, que a vendia, afiançasse o contrário, o que não convencia, desdentado que ía indo.

Era também no saudoso Ti Vergílio, por vezes teimoso mas sempre bom amigo, que, noite cerrada, se apanhava a carreira, quase sempre para a Idanha (o destino era Monfortinho, essa grande metrópole dos dias de hoje!), onde o Ti Martinho, cobrador, com a sua barriga ocupava meia camioneta.

Barriga que, em Aldeia, não aguava. O nosso amigo de que falamos não o deixava pernão. De manhã, bagaço. Carreira da tarde, tinto, de preferência do Fundão, mas, à falta, até o do Castanheira, que uvas nunca vira, servia. E quando após fezer o A e o gesto de lançar o resto fora (era esse o código dos bons bebedores) se dissesse que "não nera mau", que ninguém o bebesse. Já era vinagre. Era sincero, bom homem.

E nem a cor importava. Se branco, se tinto, muito!

Deixemos a carreira, que era dos maiores progressos de Aldeia, e a escadaria de acesso à bagagem e onde, para chupar uma cavalada, muitos afocinharam na subida do cemitério, para onde ninguém queria passar.

Não era por isso. É que, depois, vinha a vinha do dr. Rolão e era sempre a descer e o perigo era parar, só, na subida da Cruz do Ângelo se, por sorte, a dita ia para o Terreiro das Bruxas. Se fosse em sentido contrário, nem as curvas, então, da Quinta, ou o pontão das 5 bocas (essa maravilha), davam para afiar as solas dos pés (os dos sapatos não se metiam lá) ainda não curados das topadelas da rua do poço concelho.

Deixemo-nos de conversa fiada, que a ninguém interessa...

Como, em jeito de saudade, um nosso amigo (não nos conhecendo, reciprocamente, cremos, os motivos de aqui estarmos já relevará esta atrevida relação) falou de uma Sr.ª Profª. que, em aldeia, para lá de ter dado as palmatórias que na época eram obrigatórias por fazerem parte dos compêndios de pedagogia, embora numa folha em branco para deixar margem de liberdade de execução aos seus intérpretes, cumpriu a sua missão, tratou da sua vida... que, coitada, nem lhe havia de correr bem. Era também comercienta e clientes eram também os pais dos alunos...

Os filhos dela, de certo ilustres, debandaram, nunca ninguém os viu referenciados com a nossa terra. Penso que nem a naturalidade assumiram. Também, só recentemente se tem a naturalidade que se quer.

Mas, filhos de professora, parteira não foi a Ti Felizarda. O que a memória guarda...

Não lhe regateando o mérito, homenagem, que cheira sempre a política, não é do nosso modesto agrado. Só se for depois da Ti Isabel Pote, do Regedor (porque não?), da Ti Passarita, do Ti Zé Morais, do Sr. Raul, do Ti Xico Aguardente, o polícia reformado que conhecia todas as pedras da calçada da baixa de Lisboa e, palavroso, começava qualquer conversa com "na verdade, porém...", a égua do Ti Jaquim Rato, que dava peidos, dizia ele, mas que a gente bem via, mas fazia que não via, mas o certo é que ouvia, que era ele que os dava e não conseguia encolhê-los porque andava sempre cheio de fumo do português suave e tantos outros...

Podemos voltar, se for aceite um desafio. Os mais velhos que acederem a esta escrita falam de coisas e pessoas passadas e os mais novos de coisas presentes.

Das futuras podemos falar todos.

Vale?

Um abraço e o meu respeito pela iniciativa e perseverança.

FC

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonito "retrato"...
Parabéns ao "pintor" de palavras.
Um abraço
Soly